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Vera Duarte: apresentação de "Poetisa não, por favor" - Cheila Delgado

Posted On segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023




Lançamento do livro "Poetisa não, por favor" de Cheila Delgado

Caros amigos,

A primeira coisa que gostaria de vos dizer é que me sinto muito contente por estar aqui convosco, pois, das atividades públicas que mais gosto de assistir e de realizar é a apresentação de livros!

Para mim cada apresentação de um novo livro é motivo de festa e comemoração e deveriam rufar tambores, foguetes atravessar os céus e o lugar da apresentação encher-se de palmas e sorrisos.

E agora podem perguntar-me porquê?

E eu respondo sem hesitar que o lançamento de um novo livro é sempre um momento extremamente prenhe de promessas que podem se concretizar ou não, mas são sempre promessas que podem trazer muito deleite, alguma aprendizagem e sobretudo uma forma muito boa de emprego de tempo, além de outras coisas mais. O meu contentamento ainda é maior quando a autora é uma mulher, porque ainda precisamos cada vez mais de mulheres a inscreverem seu nome na escrita cabo-verdiana.

Quando é um jovem melhor ainda pois a estrada será auspiciosamente longa.

E quando é estreante, mais ainda, pois são imensas as incógnitas que nos assolam.

A Cheila conjuga tudo isto nela. Daí o meu contentamento.

Isto dito deixam-me agora cumprimentar a todos e dar os parabéns à autora Cheila e ao editor Odair Varela pela ousadia de criar uma editora, a JOVEMTUDO, e pelo lançamento e agradecer-lhes por me terem convidado a fazer parte desta aventura iniciática.

O título da obra foi muito instigante para mim: “Poetisa não, por favor”. O que quererá a autora dizer com este título?

E fui logo à procura da resposta nos poemas! Não a encontrei, contudo, embora na nota da autora talvez haja pistas...

E como cada um interpreta com os dados que possui eu achei logo a minha interpretação: ela é como eu, acho tão lindo a palavra ‘poeta’, que cobre bem homens e mulheres, que não gosto desta feminização desnecessária de ‘poetisa’.

Não que me incomode que me chamem de ‘poetisa’ para quem gosta da designação. Mas eu gosto mais de ‘poeta’.

Fica aqui o desafio de ela nos desvendar o sentido do título.

Posto isto, façamos um voo sobre as páginas deste livrinho como muitas vezes me apetece chamar alguns livros de poesia, não pelo tamanho, embora sejam normalmente pequenos, mas pelo carinho que nutro pela poesia.

É um livro pequeno com 30 poemas em 50 páginas. Muitos são verdadeiramente poemas curtos e alguns são nano poemas, algo que começou a estar muito em voga. Eu por exemplo tenho recebido alguns convites para participar em antologia de nano poemas. Devido a tais convites tenho escrito alguns, mas é algo recentíssimo, que vem de meados do ano transato.

Ora a nossa autora, em vários poemas curtos e alguns nano poemas oferece-nos reflexões muito interessantes sobre temas da existência humana.

Desde a dedicatória que entrega a cada ser que compõe a sua história e ao universo por permitir que os passos da sua vida fossem imperfeitos. Está aí o eterno questionamento humano sobre a perfeição e a imperfeição. O Homem é um ser aspirante à perfeição, à imagem e semelhança do Deus donde ele terá vindo.

A nossa autora toma radicalmente a posição pela imperfeição.

Ela já sabe que embora aspirante à perfeição o Homem é um ser imperfeito. E foi esta imperfeição que lhe permitiu experimentar vivências e sensações que de alguma forma transformou em palavra escrita. Está aí a poesia: Fazer das nossas vivências matéria incandescente que se metamorfoseia no poema.

Ela, que carrega a força espiritual do chão que a viu nascer que é a maravilhosa ilha de Santo Antão e a localidade de João Afonso, deixa que o emaranhado de emoções que lhe corre nas veias, num ato de libertação, se transforme em versos.


Também o editor, Dai Varela, nas palavras com que apresenta o livro faz um interessante desafio ao leitor. Diz ele na sua nota que a leitura da escrita intimista da Cheila fornece patamares de acesso ao seu universo para então lançar o desafio: “esse aproximar do mundo subjetivo da autora tanto pode resultar numa fruição leve ou, quem sabe encontrar sentidos ocultos, para lá do visível a primeira leitura deste caminhar sobre o pensamento gráfico da autora”.

Ou seja, através destas palavras o editor lança ao leitor o repto de ser um leitor ativo que procura não só encontrar os sentidos que a autora deu aos poemas, mas que também descubra seus próprios sentidos. Isto é algo que eu completamente subscrevo, até porque acho que a partir do momento em que o livro é publicado, ele vai crescer ou morrer nas mãos dos seus leitores, pois a subjetividade do autor é apenas mais uma das muitas possíveis. A sua interpretação passa a estar no espírito de quem lê e o leitor tem assim papel ativo naquilo que lê, podendo ter só para si ou compartilhar com os outros a panóplia de sentidos possíveis.

E isto fica muito claro quando Dai Varela nos diz “ É a transcendência da sensibilidade poética da autora nos versos dos quais o leitor poderá identificar-se, expressar-se e exprimir-se através dos olhos e da imaginação. Uma grande responsabilidade que também carrega a vulnerabilidade da própria autora que abre o seu panorama de possibilidades para nele o leitor fazer moradia, tal qual fugaz, passageiro da poesia”.

Não poderia estar mais de acordo. Voltando então aos poemas da autora.

Até onde vai o meu conhecimento literário estes poemas curtos e nano poemas não têm nada a ver com o género milenar de poesia que vem do Japão e se tornou muito cultivado no Ocidente que são os Haicais. Nós temos no saudoso poeta Corsino Fortes uma obra magnífica escrita já no curvar dos dias uns exemplos extraordinários deste género poético. Os haicais são poemas de 3 versos com rima própria e um número definido de sílabas, que buscam a essência das coisas.

Os poemas da Cheila são curtos, mas o verso é livre e não estão submetidos a qualquer exigência de métrica ou rima, como ela própria nos confessa.

Porquê poemas curtos?

Permitindo-me especular um pouco eu diria que este nosso mundo contemporâneo, caracterizado pela precariedade e pela fluidez de que tão bem nos fala Zygmunt Bauman na sua obra “Modernidade Líquida” cada vez se tende mais para as formas mais imediatas de comunicação.

O desconcerto da natureza, as guerras e outros conflitos, as epidemias e outras doenças letais, tudo isto propicia a criação de um espírito de imediatismo, de rápido consumo de algo que não tem a necessidade de durar eternamente, até porque o fim da eternidade pode estar a bater-nos a porta a qualquer momento.

Os tsunamis, as secas, a Covid-19, a guerra na Ucrânia...

Isto em si não é bom nem mau é apenas um sinal dos tempos, uma constatação, talvez a procurar explicar o florescer dos poemas curtos e nano poemas que acredito vão aparecer cada vez mais.

Pela pena inspirada da autora vamos falando, de emoções, sentindo os cheiros e contemplando as madrugadas.

Ela abre o seu bouquet com um poema com o expressivo título de “Parto”

Parto que é o momento a marcar o início de algo novo, o começar de uma vida. Ela confessa-se mãe a pars entiers pois esse é um momento sagrado, o de trazer uma nova vida ao mundo. E porque não também o momento de lançar para o mundo a sua primeira obra literária?

Este é o momento transcendente da criação… No princípio era o verbo…



Com os poemas a autora está a partilhar a vida, as emoções e os questionamentos que a sobressaltam. Ela filtra a vida através dos versos.

Estes são poemas de uma jovem e talvez para a juventude. Não sei quem a influenciou pois ela não nos revela.

Alguém disse que os escritores são chamados para revelarem as enfermidades mortais da nossa época. Ou seja, para mostrar o desequilíbrio do nosso destino coletivo.

Há sempre um outro a resgatar na idiossincrasia do eu. É o outro da utopia concreta e urgente.

O poeta se insurge contra a amputação do Homem, “eis o Homem” parece dizer cada poema.

Cheila revela-nos o seu ser solidário o seu porto seguro, a essência que a leva a percorrer novos caminhos, a busca de uma nova aurora, na vida que vibra nos poros que anseiam por novas vibrações.

Ela confessa-nos seus sonhos sem limites e os turbilhões que lhe fervem peito a dentro.

Ela assegura-nos que não é poetisa não, apenas permite que o sangue que pulsa em seu coração se transcorra pelos seus punhos e se perca num escrever sentido.

Ela procura a obra-prima na natureza num diálogo de um tempo sem tempo em que no Céu apenas pairam dúvidas.

Ela traz-nos o erotismo da intimidade e sonha que cada por-do-sol é uma esperança criada e há uma primavera em cada alvorada…

Estes são pensamentos emoções e sentires que a autora partilha connosco e vêm enriquecidas de suaves pinturas para deleite dos olhos.

E vou agora concluir com a Cheila confessando de forma apoteótica

“Farei da vida um poema repleto

De versos e contradições

De frases incompletas

De dizeres não ditos

De dores que só eu senti...

De alegrias minhas

Que só a minha alma pressente,

De prazeres vividos,

Do bem e do mal...

Do bem ou do mal... Farei vida um poema.”



Pegando na deixa exorto a todos: Vamos cobrir o poema com poesia.


Praia, 2 de fevereiro de 2023
Vera Duarte

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